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Legenda: Filtros disponíveis em aplicativos, distorcem a imagem e podem causar problemas psicológicos

Foto: Lara Maria

O reino da beleza plástica: como os filtros podem afetar o psicológico das pessoas na eterna busca pelo padrão de beleza do mercado

O conceito dos filtros começou divertido, com versões de cachorro, gato e óculos diferentes. Nesse meio tempo, as modificações do Instagram acabaram não só mudando a plataforma, mas influenciando todo um contexto social

Um dia qualquer da semana. Em meio ao tédio e aos afazeres, você resolve desbloquear o celular para fazer um story no Instagram. Cara lavada e cabelo desarrumado. A solução é escolher um dos filtros da galeria. Com borboletas? Flores? Ou com o visual “natural”? Publicado! Vendo os stories de outras pessoas, você percebe os mesmos filtros, as mesmas flores e borboletas, os mesmos narizes menores e bocas maiores. Esse comportamento não é incomum, com certeza você passa por isso várias vezes ao dia. 

 

O Instagram foi moldado para atender as necessidades de 1 bilhão de usuários ativos por meio das atualizações que acontecem até hoje, mesmo após 10 anos do seu lançamento. Antes o que era um aplicativo similar a um álbum de fotos, virou plataforma de vendas, chat, veículo de informação e ambiente de trabalho para os influenciadores digitais. Todo esse potencial de uso conquistado a partir das adaptações, consegue prender os usuários por horas. Segundo uma pesquisa de 2019, realizada pela consultoria americana ComScore, as redes sociais – como Facebook, Twitter e Instagram – são o principal destino dos brasileiros quando estão navegando na internet, e cada usuário gasta 1 hora e 22 minutos do dia usando sites e aplicativos.

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A proposta inicial da ferramenta já oferecia opções de filtros para as fotos a serem postadas no feed. Mas, como todo o restante do Instagram, essa parte também sofreu modificações. Paralelo a isso, outras plataformas, gratuitas e pagas, começaram a surgir com o intuito de tratar minuciosamente as fotos, como o Facetune e o Lightroom, ambos de 2013. Os dois aplicativos conseguem suavizar, remodelar o rosto ou o corpo, e alterar as cores da imagem. 

 

Com a popularização do Snapchat, plataforma para publicação de vídeos curtos, o Instagram criou a ferramenta de stories e replicou a ideia dos filtros automáticos no clipe de 15 segundos, em 2016. O conceito começou divertido, com opções de filtros de cachorro, gato e óculos diferentes. Acontece que não só a plataforma em si passou por modificações, mas acabou influenciando todo um contexto social. 

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Ilustração: Leíssa Feitosa

Influência

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Impossível negar que a popularização das redes sociais gerou influência. Quanto maior o número de seguidores, maior é o poder de posicionamento e destaque, o que chegou a constituir um mercado da publicidade. Na área da beleza, a história começou da seguinte forma: dos blogs para os canais no YouTube, que viraram perfis no Instagram. Influenciadoras digitais como Boca Rosa, Niina Secrets e Bruna Tavares obtiveram destaque por esse processo. 

 

Diferentemente dos veículos tradicionais de informação, que reproduzem a vida de pessoas consideradas inacessíveis, as redes sociais permitem uma maior proximidade, mesmo com quem tem milhões de seguidores. Os fãs consomem o dia-a-dia das pessoas que acompanham, quase que participando diretamente dos bastidores. 

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Legenda: Para seguir com o processo de autoaceitação, Isadora precisou enfrentar até comentários da família sobre seu corpo e suas publicações no Instagram

Foto: Reprodução/Instagram

“Os influenciadores têm o poder de engajar o público através das plataformas online. Eles têm estado cada vez mais presente nas mídias, veículos de comunicação. Eles possuem uma proximidade maior com seu público facilitando a comunicação e fazendo a informação ser passada de forma mais humana, eu diria, pois existe um vínculo com aquela pessoa que eu admiro, existe uma relação de confiança entre usuários da rede e os influenciadores”, argumenta a psicóloga Jéssica Olivier, 28.

Essa facilidade ao acesso à vida de outros usuários gera uma forte tendência à comparação. Isadora Carrard, 25, atua como influenciadora digital e acumula mais de 14 mil seguidores, mas também consome conteúdo de outras pessoas do meio. Antes de falar sobre amor próprio e autoaceitação, se comparar por causa das redes sociais era um hábito bastante comum. 

“Todos os seres humanos uma hora ou outra vão sentir essa tentativa de coerção na própria pele. Vão sentir algo que te compele a comprar algo para parecer mais com a influenciadora que você segue, sempre com uma ideia de que vão se beneficiar daquilo, ficando mais atraentes, ganhando mais atenção dos outros. É um cíclo tóxico que o amor próprio consegue combater, por isso ele não é incentivado”, relata.

Seguindo o padrão da plataforma, os filtros ganharam novas caras, formatos e já são desenvolvidos por terceiros, que não são ligados à gestão do aplicativo. Portanto, o que começou como certa diversão, acabou virando uma espécie de novo mercado e, mais tarde, sendo propagador desse sentimento de comparação ou de certa dependência. É o caso da estudante Beatriz Siqueira, 19, que acredita na beleza da edição automática em suas fotos e vídeos. “Quando eu comparo minhas fotos da câmera sem efeito e com efeito e ele muda algum possível defeito que eu não gosto, sinto que só fico bonita se utilizar aquele determinado filtro”, conta.

Mulher com mão na face

Esse comportamento é mais comum do que se imagina. Uma pesquisa feita neste ano pelo grupo britânico Girlguiding detectou que cerca de um terço das 1.473 jovens entrevistadas, de 11 a 21 anos, não publica fotos nas mídias sociais sem antes usar um filtro que modifica a sua aparência. Do total, 39% disseram se sentir infelizes por não se parecerem na vida real com as imagens que publicam de si mesmas na internet.

De acordo com a psicóloga Jéssica Olivier, a explicação para este fato seria a eterna busca por uma versão melhorada. “Os filtros do Instagram dão uma sensação para quem usa de estarem em contato com sua melhor versão, fazendo a gente querer mostrar o que temos de melhor, de mais bonito. Se a gente parar pra pensar, vemos mais a nossa imagem por um telefone do que propriamente no espelho. O celular hoje em dia é nosso espelho 24h”.

A influenciadora digital e jornalista cearense, Vitória Régia, 24, também conhecida como Vitória Glamoda por causa do nome de seu blog, entrou para o time de quem lança seus próprios filtros, mas não aprovou o resultado. 

“Eu tenho um, do qual eu não gosto, porque eu acho que ele foi mal desenvolvido. Ele suaviza muito a pele, tem um iluminador no rosto muito falso e eu não gosto. E tem um filtro mais recente, no qual eu não suavizo pele nem nada do tipo. Tem só uma luzinha rosa e uns efeitos de tela envelhecida”, disse.

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Em paralelo a isso, surgiram os movimentos que incentivam publicações sem o uso dessas ferramentas de edição, como o #filterdrop, que estimula mulheres a mostrarem sua pele real. A hashtag foi lançada pela maquiadora britânica Sasha Pallari, após uma marca de beleza publicar imagens com filtros, quando deveria mostrar o efeito verdadeiro dos produtos. O post da influenciadora recebeu elogios dos seguidores, que espalharam a hashtag pelas redes.  

 

Seguindo a proposta, a estudante de Direito, Clarice Nobre, 20, diz não ser adepta dos filtros que distorcem a aparência. “Eu acho divertidos aqueles com frases e memes (risos). Mas os que modificam o rosto, além de achar que desfigura um pouco, eu faço questão de não usar pra não me acostumar com aquela imagem distorcida”, explica. Apesar disso, ela concorda que já foi influenciada a querer uma pele perfeita ao ver posts de outras pessoas. “A dependência vai muito além de achismo. Se você for agora no seu story e olhar as cinco primeiras selfies, a maioria, senão todas, estão utilizando filtro. Não fico triste não, mas já desejei a pele sem imperfeições e poros com certeza”, afirma.

Legenda: Vitória é jornalista e trabalha há mais de 7 anos em seu blog "Glamoda"

Foto: Reprodução/Instagram

Problemas psicológicos

A perspectiva de desejar características irreais deixa o caminho aberto para doenças psicológicas, como depressão e ansiedade, que se manifestam em alguns sinais. “O mau uso dessas ferramentas pode acarretar em resultados negativos, como por exemplo nas relações pessoais, na comunicação com o meio externo. Pode acarretar também na solidão, porque as redes sociais acabam oferecendo um relacionamento superficial, pois, muitas vezes, essas relações não são aprofundadas. A pessoa pode até procurar uma intimidade porém existe uma capa de superficialidade onde essa interação mais profunda não existe”, explica a psicóloga Jéssica Olivier. 

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As maiores vítimas desses problemas são os jovens. De acordo com um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo, realizado em 2019, com 2 mil adolescentes entre 15 e 19 anos, 25,3% são dependentes moderados ou graves da internet. Dessa forma, o número de casos de ansiedade é duas vezes maior (34%) entre os dependentes tecnológicos. “Outros pontos muito importantes que esse uso excessivo pode acarretar é a depressão, a baixo autoestima e estresse. Então, é muito importante que façamos o uso da tecnologia ao nosso favor, que ela facilite o nosso dia a dia”, acrescenta a profissional.

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Ilustração: Leíssa Feitosa

Como forma de diminuir esses efeitos, no ano passado, o Instagram removeu a opção de ver a quantidades de curtidas dos usuários seguidos. Apenas o dono do perfil tem acesso aos números. A intenção da mudança é que os usuários se concentrem mais no conteúdo postado do que na quantidade de likes. Apesar disso, segundo uma pesquisa realizada em 2017 pela instituição de saúde pública do Reino Unido, Royal Society for Public Health, em parceria com o Movimento de Saúde Jovem, o Instagram foi considerado a rede social mais tóxica à saúde mental.

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Para Jéssica, o primeiro passo para restabelecer um bom convívio com as redes é tentar encontrar o motivo da comparação e ficar atento à maneira que se enxerga. “Outro ponto importante é avaliar como está sua autoestima. E acho que o mais importante é se perguntar se você se dá o real valor. Quando as pessoas tiverem a real consciência do quão prejudicial é se comparar ao outro, talvez nesse momento passarão a ver seu próprio sucesso, o foco não vai ser mais o outro e sim você mesmo”, diz.

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Sobre as estratégias para controlar o uso do celular, a psicóloga cita desativar o barulho sonoro, que pode ajudar a reduzir a ansiedade e a vontade de estar a todo momento checando as redes; monitorar o tempo de uso e escolher horas determinadas do dia para ver as notificações; dormir sem o celular, desativar todas os avisos eletrônicos antes de ir pra cama. “E ter em mente que quanto mais pessoas você segue, mais tempo passará vendo as atualizações no feed, então é importante selecionar os perfis e as informações que você está tendo”, completa.

Esse, inclusive, é um dos métodos que Clarice adquiriu para preservar sua saúde mental. “Eu acredito que aquilo que te dói no outro você tem que resolver com você mesmo. Então procuro ver conteúdos de pessoas de verdade, que não se escondem tanto atrás de modificações e que falem sobre autoaceitação”.

E Vitória complementa: “A principal dica que eu posso dar é: se cerque de pessoas que você se sente confortável, seja você mesmo porque é muito ruim a gente passar uma vida inteira mentindo para nós mesmos, fingindo ser quem não somos, deixando de desfrutar coisas incríveis”, aconselha.

Confira o efeito de alguns filtros na prática:

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Ilustração: Leíssa Feitosa

Beleza comprada

Uma pesquisa divulgada em dezembro de 2019 pela ISAPS – Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, aponta que o Brasil realizou mais de 1 milhão de cirurgias plásticas, além de 969 mil procedimentos estéticos não cirúrgicos em 2018. Dentre as técnicas mais realizadas, estão aplicação de próteses de silicone, lipoaspiração e os preenchimentos de ácido hialurônico. 

 

Curiosamente, o aumento de processos estéticos coincidem com o crescimento das redes sociais, visto que, conforme dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dez anos, houve um aumento de 141% nos procedimentos em jovens de 13 a 18 anos. Essa faixa etária ainda é a mais atingida pela tecnologia.


Desse casamento entre redes sociais e beleza, surgiu o termo Snapchat Dysmorphia.  O fenômeno foi identificado pela primeira vez em 2018, quando pacientes deixaram de levar fotos de famosos para basear seus procedimentos cirúrgicos, para levar 

fotos suas alteradas com filtros aos consultórios médicos. Isso comprova que o maior alcance à informação também permitiu maior acesso aos procedimentos.

“Quando uma influenciadora digital mostra os procedimentos que faz, quando marca os cirurgiões e clínicas em publiposts, ela está normalizando e inclusive romantizando essa nova aparência. E, antes fosse algo como comprar uma nova roupa, né? Toda parte de ser uma invasão cirúrgica, com anestesia, com risco de óbito, complicações, cicatrizes, perfuração de órgãos, rejeição de implantes por parte do nosso próprio corpo, pele "rasgando" por não dar conta do tamanho dos implantes, e todos os riscos e consequências que podem advir de tudo isso são completamente ocultados”, acredita Isadora Carrard. 

Padrão de beleza

Talvez o Instagram não teria o mesmo efeito se culturalmente a sociedade não tivesse desde sempre estabelecido padrões de beleza. Esse fenômeno viaja por gerações e diversos contextos socioculturais. Exemplo disso é a Europa Renascentista, que valorizava corpos mais cheios, remetendo a maternidade e a prosperidade. O local também influencia neste quesito, visto que no Oriente Médio a moda é voltada para os corpos completamente cobertos, diferentemente do Brasil, por exemplo. 

 

De toda forma, as mais afetadas por esse conceito são as mulheres, tanto que os registros remetem apenas ao estilo delas. “Tudo que se relaciona com pressão estética atinge amplamente mais às mulheres. Elas já são o maior público de cirurgia plástica, da indústria de cosméticos, os filtros são só uma extensão para o virtual”, expõe Clarice Nobre.

A disseminação dos padrões de beleza, entretanto, não começou com as redes sociais, mas sempre foi induzido pela mídia. A partir dos anos 1950 a televisão chegava ao País e também servia como inspiração para a moda. O boom mais recente de cultuação a um padrão estético começou nos anos 1990, com a era das supermodelos e das revistas, quando a magreza era o sinônimo da beleza. Cindy Crawford e Naomi Campbell fizeram fama na época por causa da profissão. A representante brasileira era Gisele Bündchen, que começava sua trajetória nas passarelas.  

Nos anos 2000, nomes como Britney Spears, Christina Aguilera e Paris Hilton são consideradas ícones desta década com seu bronzeado artificial e calças de cintura baixa, além do visual “patricinha” e “socialite”. Como herança desse período, em 2010, quem fazia sucesso e faz até hoje, são as irmãs da família Kardashian. Como características delas, principalmente de Kim, estão as curvas acentuadas e o preenchimento labial. 

“Brinco que as redes sociais de hoje em dia fazem o papel das revistas nos anos 1990 e 2000, como um dossiê do que é o padrão de corpo ideal, como consegui-lo e de que forma o corpo idealizado te beneficia. O padrão de beleza atual, além de ser branco, loiro, magro, levemente musculoso e definido, passa uma mensagem de que beleza se compra. É o que vem sendo reforçado pelas grandes musas da atualidade, família Kardashian, e também pela maioria das grandes personalidades e influenciadoras da mídia”, afirma Isadora Carrard.

Seguir esses padrões, portanto, é até considerado normal, mas pode oferecer riscos psicológicos e físicos, segundo a psicóloga Jéssica Olivier. Se já existia uma pressão das pessoas mais próximas, as redes sociais intensificaram ainda mais esse processo. “No Instagram tudo é perfeito, né? Viagens, comidas, relações pessoais. E a pele? Não existem poros, imperfeições, cicatrizes, rosto redondo, nariz torto, enfim uma série de perfeições que chega a ser atraente para quem usa. Com isso, muita gente se olha no espelho e não se reconhece mais. Os padrões de beleza que até um dia desses seriam inatingíveis para algumas pessoas, hoje são uma ficção das redes sociais”, expressa.

Para seguir com o processo de autoaceitação, Isadora precisou enfrentar até comentários da família sobre seu corpo e suas publicações no Instagram, chegando a ser alvo de xingamentos, comentários negativos, fofocas e ridicularização. “Foi no ano de 2017 que comecei a ver corpos reais na internet. Então, da mesma forma que eu era influenciada a procurar perfeição numa magreza e definição muscular extrema, agora eu também era influenciada positivamente a olhar para o meu próprio corpo com gentileza”, declara. 

 

Atualmente, para elas, é mais fácil seguir outras pessoas com realidades diferentes e não sofrer com a comparação. 

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Legenda:  Mulheres são as mais afetadas pelos padrões de beleza

Foto: Lara Maria

Em contrapartida a esse fenômeno de padronização causado pela busca de um ideal de perfeição, movimentos como o body positive também assumem um papel de destaque. A ideia consiste em ser positivo em relação ao próprio corpo por meio da prática da aceitação. Vitória Régia e Isadora Carrard trabalham esse conceito em suas postagens nas redes sociais. 

“Hoje em dia, eu criei uma comunidade mais acessível. Com terapia e conversas, eu tenho uma mentalidade melhor para acompanhar blogueiras milionárias como a Thássia Naves, mais para me inspirar pelos looks dela, porque eu penso que se ela pode, eu também posso, não fico me comparando”, afirma Vitória.

“No início eu não falava sobre aceitação, até porque eu não me aceitava. Eu tenho um blog há sete anos e meio, onde eu comecei falando sobre maquiagem, apesar de que o nome do blog sempre foi ‘Glamoda’ porque eu sempre quis falar de moda, mas eu não me aceitava”, conta Vitória. Hoje, além de continuar com o blog, ela é dona da loja de moda plus size Glamoda Plus.

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